Desafios na saúde sexual e reprodutiva

Portugal acolheu pela primeira vez o Congresso Europeu de Contracepção, na sua 13ª edição, no Centro de Congressos de Lisboa, entre os dias 28 e 31 de Maio.

Foram mais de 2000 os especialistas que estiveram em Portugal para debater os temas mais importantes e actuais na área da contracepção. Esta edição, organizada pela Sociedade Europeia de Contracepção e Saúde Reprodutiva (ESC) com o apoio da Sociedade Portuguesa da Contracepção (SPDC) e sob a chancela da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina Materno Fetal (FSPOG), teve como tema principal “Desafios na Saúde Sexual e Reprodutiva”. No segundo dia do Congresso, houve lugar para um encontro com jornalistas de vários países que tiveram oportunidade de conversar com os presidentes destas duas Sociedades Científicas.
Portugal é dos países na Europa que mais contracepção usa: cerca de 85% da população feminina em idade fértil utiliza alguma forma de contracepção, 65% usa a pílula, segundo o último Inquérito Nacional de Saúde disponível com data de 2008.
“Em Portugal e em países como o nosso, há que individualizar a contracepção e manter as mulheres sensibilizadas para a toma de contraceptivos. Temos de lidar diariamente com emigrantes que vêm de outros países com outros tipos de legislações, sendo este um dos temas em discussão neste Congresso”, afirmou Teresa Bombas, médica ginecologista e presidente da SPC.
Os métodos mais frequentemente utilizados são a pílula e o preservativo. “Em muitos
países, para mulheres, em que as legislações são muito restritivas em relação ao uso de contracepção, os métodos contraceptivos são utilizados considerando outros dos seus benefícios como terapia hormonal, como por exemplo, para regularizar a menstruação, para minimizar as dores menstruais ou a tensão pré menstrual, sobretudo para as mulheres que ficam demasiado irritadas ou stressadas e também para tratar problemas da pele, como a acne. Mulheres com períodos de sete dias e com bastante sangramento também podem ser tratadas com a pílula contraceptiva”, referiu Johannes Bitzer, presidente da ESC.
Por outro lado, é fundamental perceber que a contracepção individualizada é o melhor ponto de partida, seja no nosso país ou noutros países da Europa nas variadas fases da sua vida. “Temos que saber o que necessitam as adolescentes, o que precisam as mulheres após a gravidez e durante a perimenopausa”, defendeu o responsável da ESC. Por outro lado, os desafios colocam-se quotidianamente aos médicos quando surgem mulheres com condições médicas específicas, como é o caso daquelas que tiveram cancro, as que têm diabetes ou doenças cardiovasculares. “Nesses casos, que contraceptivo deverá ser prescrito? Por exemplo, existem estudos que sugerem que não se devem prescrever alguns métodos contraceptivos para mulheres com lúpus arematoso”, adiantou o responsável. Para a maioria das mulheres saudáveis, a contracepção não envolve qualquer tipo de risco. “A nossa atitude, enquanto profissionais, tem mudado muito na forma como lidávamos com a contracepção. Pássamos a apostar mais no aconselhamento individualizado. A mulher pode chegar ao consultório com uma ideia relativamente a um determinado método mas o mesmo vai ser discutido entre a utente e o profissional. A individualização é fundamental porque significa que a decisão é partilhada e veicula a utente à decisão que tomou sendo uma forma eficaz de garantir a adesão adequada”, sublinhou Teresa Bombas. A auto-medicação com uma pílula sem aconselhamento médico pode ser perigosa. “Referimo-nos a um medicamento, com efeitos secundários, com vantagens e desvantagens. Os estrogénios não são inofensivos e as mulheres com risco individual ligado a doença hematológica e a problemas de coagulação podem vir a ter um Acidente Vascular Cerebral se não forem devidamente seguidas e aconselhadas por um profissional de saúde”, alerta a presidente da SPDC.

O impacto da crise

De que forma é que a crise económica em Portugal teve impacto no número de mulheres grávidas ou de interrupções voluntárias da gravidez? “Em termos de números globais no nosso país, não podemos afirmar que o número de interrupções voluntárias da gravidez aumentou desde que a crise económica começou”, explica Teresa Bombas. Para a médica ginecologista, Portugal é um dos países com uma das legislações “mais uniformes e livres da Europa” e a saúde reprodutiva é um direito consagrado na nossa legislação desde o ano de 1986. “A acessibilidade aos métodos de contracepção está garantida e até ao momento tem sido mais ou menos uniforme nas várias zonas do país. Isto significa que os métodos de contracepção que são gratuitos no Sul estão também o são no Norte”, acrescenta. No entanto, e mais recentemente, tem havido uma mudança de política interna a nível das Administrações Regionais de Saúde, podendo haver alguma individualização em algumas zonas do país, o que significa que a disponibilidade e acessibilidade dos métodos contraceptivos pode não ser uniforme.
“De uma maneira geral, não temos ruptura de stocks ao ponto de haver mulheres que ficam sem contracepção por períodos muito prolongados. O que está contemplado nas nossas directivas é que a mulher que vá ao seu Centro de Saúde deverá ter acesso a métodos contraceptivos por seis meses. Julgo que na maioria das unidades de saúde primárias, provavelmente isso não é possível”, assinala Teresa Bombas. Um dos maiores constrangimentos actualmente diz respeito à grande dificuldade de acesso aos Médicos de Medicina Geral e Familiar, o que significa, que as mulheres sentem maiores dificuldades em aceder aos profissionais de saúde, em algumas zonas do país, do que aos produtos propriamente ditos.
A crise económica também tem tido impacto na saúde reprodutiva e isso verifica-se a vários níveis: na interrupção de gravidez, na vigilância médica e no uso da contracepção. No que respeita ao aborto, “algumas mulheres que engravidam de forma não planeada optam por não continuar a gravidez por questões financeiras”, explicou Teresa Bombas. Do mesmo modo, mulheres que habitualmente eram utilizadoras do sistema privado para as suas consultas regulares, “abandonaram a vigilância e portanto a possibilidade de prevenção de doença.” No que respeita ao uso de contracepção, as dificuldades económicas levaram algumas mulheres a abandoná-la por dificuldade na sua aquisição. “Este facto reporta-se sobretudo às mulheres não utilizadoras do Sistema Nacional de Saúde (SNS) ou às utilizadoras do SNS e nos quais a sua contracepção habitual não está disponível por ruptura de stock”, acrescenta a presidente da SPDC.

Contracepção e risco de cancro

O risco de contrair cancro da mama é ligeiramente superior para as mulheres que tomam a pílula “mas esse risco desaparece ao fim de alguns anos de suspensão do contraceptivo, pelo que esta ligação não tem qualquer expressão ao nível da população em geral.”
No caso das mulheres que tiveram cancro da mama e que precisam de fazer contracepção, há um consenso actual de que não devem fazer concepção hormonal. “Nestes casos, são sugeridos métodos contraceptivos não hormonais, nomeadamente, o dispositivo de cobre”, explica Teresa Bombas.
Ambos os especialistas alertaram para o facto de o cancro do ovário ser, do ponto de vista ginecológico, o que mata mais mulheres em idade jovem. A boa notícia é que “as utilizadoras de contraceptivos hormonais combinados (pílula oral, anel vaginal e sistema transdérmico) estão protegidas contra o cancro do ovário, o que do ponto de vista epidemiológico, é muito importante porque representa um risco menor na ordem dos 40% de contrair a doença”, assinalam os presidentes da SPCD e da ESC.

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