História de um nascimento prematuro do bebé

24 de Abril de 2008. Um dia que Cristina Ferreira recorda emocionada.
A partir dali, tudo passou a ser diferente.
Provas duras para uma jovem de 27 anos, mãe pela primeira vez. Nuno, o seu companheiro não chora perante a presença da jornalista mas deixa escapar o olhar humedecido e sensibilizado quando fala do pequeno António.
Juntos passaram pela prova da sobrevivência perante um nascimento (demasiado) prematuro. Cristina e Nuno esperavam o primeiro filho. Tudo decorria normalmente apesar da futura mãe ter passado por uma situação de descolamento da placenta entre as 11 e as 17 semanas.
Passadas as seis semanas que a obrigaram a um repouso absoluto, o primo de Cristina veio a Portugal ao fim de 14 anos. Os projetos eram muitos. Iriam aproveitar para passear e para matar saudades. Durante a sua estada, optaram por ir ao Oceanário.
“Nesse dia, já tinha contracções mas como estava de 24 semanas, ou seja, no 5º mês de gravidez, achei que eram cólicas”, confessa Cristina.
Ligou ao seu médico mas não conseguiu falar com ele. No dia seguinte, rebentaram as águas. “Estava em casa com o Nuno a ver um filme até que senti uma forte dor e achei que era melhor irmos ao hospital.
Não pensei que fosse um problema tão grave e foi com muita calma que me preparei para sair. Fomos para o Hospital de Cascais e como já estava em trabalho de parto, mandaram-me de ambulância para o Hospital de São Francisco Xavier por ser uma gravidez de risco e porque não havia vaga na Maternidade Dr. Alfredo da Costa.

Nascimento antes de tempo

Cristina estava com uma infeção que originou o rompimento da membrana da bolsa. “Eu estava a fazer um tratamento para essa infeção que foi detetada nas últimas análises que havia realizado.
Tinha algum corrimento e achava que era um efeito secundário mas afinal era o rolhão mucoso. Com tão pouco tempo, nunca me passou pela cabeça que já pudesse estar em trabalho de parto”, confessa.
O parto do pequeno António foi natural, sem qualquer anestesia, muito rápido e Cristina ouviu desde o primeiro momento várias opiniões de especialistas que lhe deram indicações que não valeria a pena ter esperanças porque era pouco provável que o bebé “vingasse” com tão pouco tempo de gestação.
“Eu e o Nuno estávamos mentalizados para o pior mas sempre tivemos a esperança de que ele iria ter forças para viver”, diz-nos Cristina.
No dia seguinte, esta mãe corajosa teve que se submeter a uma cortagem porque tinha restos de placenta. O marido Nuno estava muito apreensivo desde o início porque não tinha notícias do que se passava.
Andava de um lado para o outro nas urgências a tentar saber como estava Cristina. Não tem qualquer vergonha de confessar que, naquele preciso momento, sentiu medo.
“Em simultâneo, senti medo do bebé não sobreviver pois tinham-nos informado de que havia 90% de hipóteses dele não nascer com vida.
No entanto, as minhas preocupações prendiam-se com o estado da mãe. Tinha receio que lhe acontecesse alguma coisa.
Ao dizerem-me que a maior probabilidade seria dele não nascer com vida, o centro da minha atenção estava na mãe e em como é que ela iria sair daquela situação.”

Mistura de sentimentos e emoções

“Quando o António nasceu, foi um libertar de stresse e de emoções e quando o vi pela primeira vez, foi uma sensação fenomenal”, diz Nuno. Passados 17 meses deste dia marcante, Cristina confessa que tentou recalcar muitos dos problemas e das dificuldades por que passou.
“Tento não me recordar muito da fase inicial. Foi um turbilhão de sentimentos. Por outro lado, foram tantos os momentos de sucesso que alcançámos e tantos os progressos do António que não me quero lembrar das piores fases.”
Cristina correu risco de vida mas nunca ficou em pânico porque não se sentia em perigo. Tentou manter a calma e a tranquilidade que caracterizam a sua personalidade.
Esta gravidez, apesar de não ter sido planeada, “foi muito desejada”. Nuno sempre quis ser pai – o verdadeiro sonho da sua vida – mas como explica Cristina, “planeávamos um filho mas não tão cedo porque eu ainda não tinha acabado o curso e o Nuno era o único que estava a trabalhar.
Esta situação ainda se mantém pela necessidade de tomar conta do António 24 horas por dia e dele precisar do meu apoio.
Era um filho desejado mas vivíamos em casas separadas. O facto de engravidar acelerou todo o processo e criámos condições para passarmos a viver juntos e criarmos o nosso filho”, explica.
O desejo do pai era tão especial que, nos primeiros dias, não aceitava bem o apoio dos amigos nem os sucessivos parabéns que recebia. Afinal, acabara de ser pai. “Todos os meus amigos queriam visitar-nos no hospital. No entanto, o facto de saber que a probabilidade do bebé nascer sem vida era tão acentuada que me fez viver aquelas horas de forma apreensiva.
Não era aquele o momento que qualquer pai imagina. Tudo o que eu mais queria na vida era ser pai de um menino. Muito embora as circunstâncias, os meus amigos foram todos ter comigo e deram-me todo o apoio possível”, diz-nos Nuno.
Confessa ainda que nunca se revoltou com a situação porque o nascimento prematuro do filho não teve como causa qualquer erro médico ou negligência.
“A situação não era controlável e podia acontecer a qualquer grávida”, explica. O nome de António foi escolhido em homenagem ao seu pai, a pessoa mais importante da sua vida, já falecido há 13 anos.
674 gramas de gente
Milagre! António pesava apenas 674 gramas quando nasceu. “Era do tamanho de uma mão mas a sua evolução foi espantosa.
Claro que quem olha para ele pensa que tem sete ou oito meses mas tudo virá com o tempo”. Sem pressas. Com a mesma tranquilidade, força e calma que Cristina e Nuno aprenderam a desenvolver. Capacidades que nunca imaginaram ter mas que encontraram – não sabem bem onde – porque a situação assim o exigiu.
Os primeiros dias foram dramáticos. Cristina teve alta passados quatro dias mas António começava a luta pela vida onde cada hora contava. “Uma das conclusões a que cheguei facilmente é que não adianta fazermos planos.
O que tem de acontecer, acontece. Por isso, há que ir lidando diariamente com o imprevisto e viver o dia-a-dia. Numa fase menos feliz, chegaram a dizer-nos que deveríamos pensar hora-a-hora porque o António não estava estável”. Felizmente, o bebé ia ultrapassando as próprias barreiras de quem nasceu tão depressa e sem tempo. “A partir de uma certa altura, para nós, já não havia dúvidas. Tínhamos datas e períodos críticos – as primeiras 48 horas, os primeiros 15 dias – que ele foi superando sucessivamente”, adianta Cristina.
Por altura do Natal e após o António ter sido submetido a uma traqueostomia (procedimento cirúrgico que estabelece um orifício artificial na traqueia), estava a desenvolver-se bem e as dúvidas de que ele pudesse sobreviver iam-se dissipando.
Além desta cirurgia, António já tinha sido submetido a uma outra ao coração (com apenas 15 dias de vida) e ainda outra para retirar duas hérnias testiculares.

Dez meses no hospital

Sabe-se que o contacto entre os pais e o recém-nascido é extremamente importante para a sua evolução. Cristina passava uma média de 10 a 12 horas diárias no hospital.
Não dormia lá porque os médicos e enfermeiras a aconselhavam a descansar para estar preparada para o dia seguinte e para as possíveis complicações. Esta mãe ideal tinha que ter forças para enfrentar cada novo momento, cada contratempo e cada vitória.
Apesar de Nuno trabalhar, teve e continua a ter um grande apoio da entidade patronal. Começou com uma licença durante um dois meses, de forma a poder acompanhar de perto a mulher e o filho.
“Tive todo o apoio por parte do Casino de Lisboa (Grupo Estoril Sol). O meu Diretor-geral tem sido extraordinário, super humano e compreendeu o nosso problema desde o primeiro dia”, elogia.
Nuno tem um horário facilitado atualmente para poder acompanhar a Cristina e o filho António em todas as consultas de rotina e ajudar em todos os cuidados necessários. “Tenho dúvidas que outras empresas fizessem o mesmo por mim e pela minha família.”
Ao contrário de alguns pais que acabam por não resistir à pressão, este casal está mais unido do que nunca. A experiência que mais os marcou nas suas vidas acabou por se transformar numa grande prova de amor.
“Desde o início, as ‘tias do António’ – as enfermeiras do hospital – disseram-nos que tínhamos de ser muito fortes e de nos apoiarmos mutuamente porque a maioria dos casais se separa perante uma situação destas.
Nós rumamos sempre para o mesmo lado porque o António é o mais importante da nossa vida”, sublinha Nuno. Cristina acrescenta que o início de vida de ambos foi realmente muito atribulado, o que só lhes deu mais força para continuarem juntos a cuidar da pessoa mais importante das suas vidas.
A notícia da alta
“O internamento do nosso filho durou dez meses que foram muito dolorosos. Parecia que não havia fim. Quando víamos bebés que saíam passados três, quatro meses, ganhávamos esperanças mas nunca mais chegava a vez do António.
Estes dez meses pareceram-nos dez anos. A nossa luta era diária. Gostava ainda de salientar que, em termos técnicos e humanos, o Hospital de São Francisco Xavier desenvolve um óptimo trabalho”, explica Nuno.
O casal teve algumas reuniões com os especialistas que acompanhavam o bebé por altura do final de ano e os receios iam diminuindo. Foi então que estes “pais coragem” começaram a aprender como deveriam cuidar do bebé quando ele fosse para casa.
“A transição do hospital para casa foi feliz mas um pouco angustiante porque não tínhamos sempre uma retaguarda de profissionais para quando fosse necessário. O nosso problema começou a ser: ‘e se ele tem uma crise em casa e estamos sozinhos com ele, o que vamos fazer?
O facto de terem assistido a situações muito dramáticas no hospital ajudou-os a saber como lidar perante uma crise. “Uma das melhores notícias que recebemos no hospital foi que, a nível motor e neurológico, o António se encontrava bem, o que foi uma grande vitória”, explica Nuno.
O casal passou três noites a dormir no hospital antes do bebé vir para casa aquando da sua transferência para o serviço de pediatria. “Aí não tinha o mesmo acompanhamento, estava num quarto sozinho e as enfermeiras iam passando quando era preciso. Durante esse tempo, estivemos as 24 horas com ele. Foi uma espécie de treino antes de o trazer para casa”, confessa a mãe.
Oito quilos e 70 centímetros depois
A evolução e o desenvolvimento de António tem decorrido com normalidade e com muito sucesso. Tem 17 meses (o que corresponde a 13 meses de idade corrigida).
Os pais tiveram de se habituar ao seu dia-a-dia actual. “O António não emite sons. Ele chora, mas não ouvimos. Só vemos a sua expressão facial.
Isto acontece em virtude da traqueostomia. Os tecidos colapsam quando ele faz a inspiração e a traqueia fecha. Fazemos a aspiração constantemente porque ele produz secreções que não podem ser expelidas de outra forma.
Realizamos este procedimento antes, a meio e depois das refeições. Se ele estiver a brincar ou muito excitado, também tem de ser aspirado”, explica Cristina.
Além disso, os pais têm ainda de fazer o penso que consiste na limpeza do estoma para prevenir infeções e a maceração da pele circundante. “Para nós, já esta tão interiorizado que é um cuidado tão básico como dar-lhe banho”, salientam.
Em termos de alimentação, é acompanhado pela equipa de nutrição do Hospital de São Francisco Xavier e tem de controlar bem a quantidade de alimento que lhe dá. “Ele já chora por mais mas não posso ultrapassar o que me é recomendado nem aumentar a ingestão de líquidos por causa dos pulmões.
Está tudo muito controlado. Tenho pena, porque ele acaba de comer e pede mais e eu não lhe posso dar. Corta-me o coração”, adianta Cristina.
Desde que António teve alta, o casal tem contado com o apoio incondicional das irmãs de Nuno e das avós do bebé. “É uma ajuda preciosa pois tenho fases em que me sinto realmente muito cansada.”
A ideia do António ir para uma creche ainda é muito prematura. “Isso só irá acontecer quando ele retirar a cânula e a capacidade respiratória estiver completamente controlada.”
Apoios materiais e monetários
Devido ao transtorno que António tem na traqueia, os pais têm de garantir o acesso a equipamentos, materiais, utensílios e aparelhos que lhe permitam respirar. “O António está toda a noite ligado a um oxímetro, um monitor idêntico ao que tinha num hospital.
Gostaria de salientar que foi uma empresa que nos cedeu este aparelho sem qualquer custo. Foi uma empresa privada – Covidien – que soube da nossa história.
Estávamos com algumas dificuldades porque o nosso filho não poderia vir para casa sem este aparelho que custa mais de 1000€ no nosso país.
Inclusive, já tínhamos ponderado comprá-lo nos EUA pois a discrepância de preços é brutal. Graças à Covidien empresa e à GASIN – que fornece o oxigénio e o aspirador de secreções mediante uma prescrição médica – não temos de nos preocupar com esses custos”.
Quando ele não está bem, o oxímetro emite um som muito alto que permite que os pais ouçam e se levantem para ir de imediato ver o que se passa.
“Atualmente, o Centro de Saúde fornece-nos o material consumível. Comecei recentemente a receber o apoio à terceira pessoa no valor de 88,37€ mensais, o abono de família para crianças portadoras de deficiência que é 59€ euros e o abono de família normal de 22,59€.
A quantia mensal é de cerca de 170€, o que não dá para pagar metade das despesas que a situação do António impõe”, refere Cristina.
A mãe solicitou ainda um apoio de reinserção social que lhe foi negado por nunca ter trabalhado na vida. “O Estado, em vez de apoiar as pessoas para voltarem a estudar e a ter uma vida ativa perante as contingências da vida, fecha-nos as portas e não dá apoio.”
Cristina estava no último ano da faculdade e decidiu voltar a estudar – mesmo sem apoios – durante o próximo ano com uma carga horária muito reduzida pois só lhe faltam algumas disciplinas para terminar o curso de Arquitetura Paisagista.
“Falta muito pouco para terminar… Este ano, vou tentar concluir porque há alguma facilidade em conciliar os horários com o pai.”
Voltar a ter filhos?
Perante tal pergunta, a resposta é peremptória: não! Enquanto o António não estiver liberto da cânula – o maior e mais preocupante cuidado que a sua evolução exige – não se coloca a hipótese de voltarem a ter filhos.
António tem consultas de otorrino, de nutrição, de desenvolvimento e, de 3 em 3 semanas, tem de ser analisado pelo médico no Hospital da Dona Estefânia para a cânula ser trocada por outra para prevenir infeções.
Nuno não esconde o orgulho que sente da sua grande companheira. “A mãe já é uma autêntica enfermeira e é espetacular. Sinto-me realizado e muito feliz com toda a evolução do António até ao momento.
Quando ele retirar a cânula, vai ser a verdadeira festa que ainda não fizemos e que todos os pais fazem quando os filhos nascem”. Cristina não se fica atrás e refere que o António foi “a melhor prenda” que o marido lhe deu.
“O sorriso é tudo”
Nuno, com um brilho nos olhos, diz-nos que “é confortante acordar todos os dias e vê-lo sorrir para mim. Pode não dizer qualquer palavra, não emitir sons mas um sorriso é tudo”.
Como conselhos a outros pais que passem por situações semelhantes, ambos hesitam nas palavras mas acabam por confessar que a chave do sucesso é manter a calma e acreditar que aqueles pequenotes são muito fortes e têm muita genica.
“Há que ter pensamento positivo porque tudo o que sentimos naqueles momentos é transmitido ao bebé”, explica Cristina.
“Devem também apoiar-se na família e esperar que corra tudo bem. Se esta situação acontecesse há 20, 30 anos, provavelmente o meu filho não sobreviveria. Há que confiar na Medicina pois temos especialistas muito bons no país.
Passámos situações de paragens cardio-respiratórias no hospital que nos ajudaram a aprender a lidar com elas quando viemos para casa. É muito importante ganharmos um certo know-how acerca de possíveis problemas que possam surgir no futuro”, conclui Nuno.

Mensagem da equipa que gosta de dar boas notícias!

O António é um bebé carinhoso, cheio de vida, simpático e meigo. Nuno e Cristina são os autênticos pais ideais para todos os momentos e perante todas as dificuldades.
Cada dia na vida desta família é uma vitória renovada. A Mãe Ideal agradece ao casal a coragem de partilhar esta história, de recordar a dor por que passaram e de nos darem a conhecer esta história de sucesso que ainda tem algumas barreiras para ultrapassar.
Com calma, energia e a mesma capacidade que têm demonstrado até aqui. Aos três, as nossas maiores felicidades e os votos de que o António continue a crescer saudavelmente. 24 de Abril de 2008 marcou o começo de uma nova vida que evolui a cada hora, a cada dia e que é uma autêntica lição de vida para quem tem o grande prazer de se cruzar com ela.
“Eu e o Nuno estávamos mentalizados para o pior mas sempre tivemos a esperança de que ele iria ter forças para viver”
“Ao me dizerem que a maior probabilidade seria dele não nascer com vida, o centro da minha atenção estava na mãe e em como é que ela iria sair daquela situação”
“Foram tantos os momentos de sucesso que alcançámos e tantos os progressos do António que não me quero lembrar das fases piores”
O nome de António foi escolhido em homenagem ao pai de Nuno, a pessoa mais importante da sua vida, já falecido há 13 anos
“Numa fase menos feliz, chegaram a dizer-nos que deveríamos pensar hora a hora porque o António não estava nada estável”
“Os dez meses de internamento do António pareceram-nos dez anos”
“Uma das melhores notícias que recebemos no hospital foi que, a nível motor e neurológico, o António se encontrava bem, o que foi uma grande vitória”

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