Ser metódico para ser criativo: o pensamento lateral

Esqueça o preconceito que diz que só algumas pessoas são criativas e têm boas ideias. Esqueça o cliché que defende que a genialidade é apenas fruto da inspiração. Esqueça as teorias sobre como as pessoas criativas fazem mais uso do lado direito do cérebro. A criatividade, tal como qualquer outra capacidade cognitiva humana, aprende-se, desenvolve-se e treina-se e há estratégias mais do que estudadas para o fazer. Conheça uma delas: o pensamento lateral.

Pintura, música, poesia. O que são senão manifestações puras de uma das grandes capacidades humanas, a imaginação – ou, se quisermos, a criatividade. Desde sempre nos habituámos a entender a criatividade como um dom e não uma capacidade, a olhá-la como algo nascido da inspiração e não do trabalho e, sobretudo, durante muitos séculos, a colocá-la numa categoria distinta das outras formas de cognição humanas.

Como refere o neurocientista Jonah Lehrer, no seu livro Imagine, esta ideia é falsa. Criatividade é um termo geral que, no fundo, designa vários processos de pensamento distintos entre si. Aliás, hoje é até possível estudar a criatividade e perceber como um determinado conjunto de acontecimentos, físicos e sobretudo mentais, dão origem a novos pensamentos. Mesmo estando longe de desvendarmos a totalidade o processo criativo, começa a ser possível esboçar uma teoria sobre aquilo a que se chama a “anatomia da imaginação”.

Não quer isso dizer que – e há disso exemplos famosos – a melhor forma de criar ideias novas não seja, por vezes, precisamente não pensar muito, não nos focarmos na solução; largarmos o problema que temos entre mãos por resolver e sair para a rua, ir ao cinema, beber uma cerveja e dar dois dedos de conversa com um amigo. Muitas vezes assim se rompe com o bloqueio.

Mas apesar da mudança para uma atividade diferente nos poder fazer chegar ao desejado aha moment, ao eureka, não é menos verdade que a famosa frase que alega que a genialidade e os melhores insights são 10 por cento de inspiração e 90 por cento de transpiração.

Se falar com qualquer escritor acerca da forma como a partir de uma página em branco nasce uma obra, a história que lhe vai ser contada é, em quase todos os casos, semelhante. E não, não envolve longos dias contemplação, de atividades que nada têm a ver com a escrita, até que um dia desperta a inspiração há muito adormecida, começam a escrever e só param horas depois com a sua obra concluída de fio a pavio. A história é bem diferente: envolve método, horários, rigor, organização, tentativas, erros, recomeços. Envolve trabalho.

O Pensamento lateral

Como encontrar novas e boas ideias? Não é, certamente, ficando à espera que elas nos caiam no colo, temos de ir à procura delas. Mas para as encontrar a procura pode –e deve – ser um processo organizado. O pensamento lateral usa métodos e técnicas destinados especificamente a ver as coisas através de novos prismas, quebrar paradigmas enraizados, fazer associações nunca antes feitas dando espaço a que as novas ideias e soluções inovadoras possam surgir.

Edward De Bono – médico, psicólogo e autor – é o pai deste conceito, que criou em 1967, e é considerado uma das autoridades mundiais no ensino e treino do pensamento, criativo e não só, como uma habilidade.

O pensamento lateral, partindo da forma como os circuitos neurais do nosso cérebro funcionam, tenta abrir as portas para soluções de problemas complexos usando métodos disruptivos, não ortodoxos. Pode considerar-se um tipo de pensamento que é o oposto do chamado raciocínio lógico, ou vertical. Trata-se de retirar o cérebro dos seus próprios padrões, vícios e trajetos preferidos, obrigando-o a traçar novos caminhos.

Uma das definições ilustrativas que Edward de Bono utiliza para descrever o pensamento lateral é a seguinte: imagine que está a procurar um tesouro e começa a cavar um buraco. Quanto mais fundo cava, mais comprometido fica com aquele local que escolheu, arranja mais homens para escavar mais rapidamente, recorre a máquinas. No entanto, é preciso que se note, lembra o autor: cavar mais fundo no mesmo buraco, não é a mesma coisa que cavar noutro lugar. E com as ideias acontece o mesmo, por muito que nos custe abandonar a forma como começamos a fazer as coisas, se tentativa após tentativa continua sem haver solução, então é necessário mudar de caminho porque fazer as coisas da mesma forma, vai levá-lo ao mesmo resultado.

A história do mercador

De Bono usa a seguinte história para ilustrar o conceito de Pensamento Lateral

Em tempos idos, um mercador devia muito dinheiro a um agiota que estava apaixonado pela sua filha. O agiota ameaçou-o: sabendo que o mercado não lhe podia pagar disse-lhe que ou o deixava casar com a sua filha para saldar assim a dívida ou mandá-lo-ia para a prisão. Filha e pai ficaram horrorizados com a proposta e o agiota propôs uma nova solução, deixando o destino de todos nas mãos da sorte. Colocaria duas pedras num saco, uma branca e uma preta, e a jovem retiraria uma delas sem ver: se tirasse a pedra preta, casaria com o agiota; se tirasse a branca, não teria de casar e a dívida ficaria saldada. Se esta solução fosse igualmente recusada, o pai seria preso e a jovem ficaria sozinha, abandonada à sua sorte de extrema pobreza.

Sem opção o mercador concordou e o agiota apanhou duas pedrinhas na rua. Mas a filha do mercador percebeu que ele estava a ser desonesto e a viciar o resultado ao colocar dentro do saco não uma pedra branca e outra preta, mas duas pedras pretas.

Pediu então à rapariga que retirasse uma das pedras para decidir o seu destino. E depois de pensar um pouco, a moça, sorridente, avançou para o saco para retirar uma delas. Porque sorria ela, se sabia que lá dentro estavam duas pedras pretas, que correspondiam ao casamento com a vil criatura? Porque, após pensar um pouco, descobriu uma solução que virava o jogo a seu favor: em vez de ter o seu destino nas mãos da sorte, o que aconteceria se o agiota tivesse sido honesto, sabia agora que se podia livrar do agiota e ver saldada a dívida do pai.

Como? Simples. A moça enfiou a mão na bolsa, retirou uma pedra e, antes de a mostrar a alguém, fingiu um desequilíbrio e deixou a pedra cair no chão, ficando misturada com as outras. “Oh, como sou descuidada!”, disse ela. “Mas não tem importância. É possível saber de que cor era a pedra em que eu peguei, olhando para dentro da bolsa e vendo de que cor é a pedra que lá está, certo?” Uma vez que a pedra que estava dentro da bolsa era preta, a lógica levaria a concluir sem margem para dúvidas que a pedra que ela havia retirado era a branca, ficando assim a filha livre do casamento forçado e o pai livre da dívida. Utilizando o pensamento lateral, a rapariga transformou o que parecia uma situação desesperada numa vantajosa.

 

A técnica dos seis chapéus

A concretização do pensamento lateral pode fazer-se por meio de várias técnicas, uma delas, a chamada técnica dos seis chapéus, segundo a qual se conseguem olhar individualmente várias perspetivas de um problema complexo através da separação dos seus vários elementos.

Esta técnica, apresentada por Edward De Bono no livro “Six Thinking Hats”, foi desenvolvida para obrigar as pessoas a adotarem perspetivas pré-determinadas sobre um determinado assunto que podem ser bastante diferentes daquelas que, pela sua personalidade ou características pessoais, naturalmente assumiriam. Isso força-as – no bom sentido do termo – a abandonar a forma como normalmente pensam e a adotar outra.

Embora individualmente se possa usar esta técnica, ela é especialmente eficaz em grupos, para fazer brainstorming, orientando-o de forma diferente, mas eficaz. Os chapéus – que podem ser reais para quem assim o quiser, ou apenas imaginados – são seis e cada um tem uma cor diferente que corresponde a uma perspetiva. Quem ficar com o chapéu de determinada cor deve focar-se em ver o problema ou em procurar soluções apenas e só à luz da perspetiva definida pela cor do seu chapéu.

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