Como funciona o cérebro dos adolescentes?

O funcionamento do cérebro dos adolescentes é algo complexo mas simples de entender.

O que faz um adolescente de 14 anos passar o dia inteiro emudecido, trancado no quarto?

Por que é que têm mudanças súbitas de humor, problemas de concentração, comportamentos de risco? As respostas a estes e outros enigmas típicos da adolescência não residem apenas nas hormonas mas também no cérebro.

Incompreendido. Esta é a palavra que parece definir o comportamento de um adolescente, que nunca se levanta a horas, faz um drama por tudo e por nada, pensa ser imortal e dá um sentido muito próprio ao termo irresponsabilidade. Quem tem adolescentes em casa ou convive diariamente com algum sabe bem do que estamos a falar, até há mesmo quem lhe chame a fase da “aborrescência”.

A adolescência pode ser definida como o período de crescimento e desenvolvimento que ocorre entre o início da puberdade e o alcance da maturidade física e emocional. É uma fase de transformações profundas, não só ao nível do corpo mas também na forma como o adolescente se vê a si próprio, a vida e se relaciona com os pais e com os outros que os rodeiam.

Até há relativamente pouco tempo, os neurocientistas acreditavam que o cérebro parava de se desenvolver cedo na vida. Hoje, graças aos avanços na tecnologia, nomeadamente à ressonância magnética funcional, sabe-se que o cérebro humano continua a desenvolver-se ao longo da adolescência e mesmo do início da idade adulta (até cerca dos 30 anos), e que no início da adolescência sofre uma espécie de reorganização, quer em termos de estrutura quer de função.

Luísa Lopes, investigadora de neurociências no Instituto de Medicina Molecular, explica que “o cérebro humano nasce já com o número de células nervosas (neurónios) completo e que terá na vida adulta. O que vai acontecendo desde a infância e durante a adolescência, é que as ligações entre as células vão-se especializando, umas fortalecem-se, outras diminuem”. E são essas modificações que alteram o comportamento dos adolescentes, correspondendo a um período de autêntica “tempestade cerebral”, como lhe chamou o neurocientista francês Jean-Pierre Changeux.

Deste modo, certos comportamentos adolescentes que os adultos consideram desadequados e até mesmo pouco convencionais como a dificuldade em fazer escolhas, a despreocupação perante assuntos relevantes como a escola ou as constantes variações de humor podem hoje ser explicados com base não só nas oscilações hormonais mas também nas alterações cerebrais.

 

Cérebro ainda em construção

Uma das regiões do cérebro que muda mais radicalmente durante a adolescência é o chamado córtex pré-frontal, responsável pelo controlo dos impulsos, tomada de decisões, escolha racional entre o certo e errado, previsão das consequências das ações, capacidade de estabelecer prioridades, fazer planos e focar a atenção… Tudo coisas que os adolescentes têm claramente dificuldade em fazer.

Joana Rodrigues Rato, neuropsicóloga e investigadora no Grupo de Neurociências Cognitivas do Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde (CIIS), reconhece que “as hormonas continuam a contar muito para a intempestividade adolescente, mas a mesma pode ser ampliada pelo amadurecimento do córtex pré-frontal. São as rápidas mudanças no córtex pré-frontal que ocasionam a intensa agitação do adolescente que se manifesta pela extrema ousadia e imprudência geralmente associadas a comportamentos irresponsáveis”.

Nesta fase, os adolescentes passam a ter uma autoconsciência muito elevada, a qual lhes leva a acreditar que todas as pessoas estão preocupadas com os seus pensamentos e comportamentos. Acreditam que ninguém experienciou sentimentos e emoções semelhantes às deles e podem tornar-se excessivamente dramáticos ao descrever as situações que os perturbam.

Paciência e capacidade de tolerância não são definitivamente características que abundam nesta fase da vida e tendem ainda a demonstrar atitudes do tipo “isso a mim não me acontece”.

O cérebro adolescente transborda de emoções, de vontade de fazer coisas desmedidamente arriscadas, mas o seu dono ainda não consegue pensar como um adulto e controlar os seus impulsos. Segundo os especialistas, o córtex pré-frontal só amadurece no final da adolescência, altura em que surge o comportamento responsável que permite ao jovem avaliar as situações de forma clara.

“Até então, os adolescentes não sabem pensar sozinhos sobre os possíveis riscos dos seus atos. Isto não quer dizer que desconhecem a existência de riscos, pois conseguem percebê-los da mesma forma que um adulto, mas a capacidade de regular o comportamento de forma consistente com essas perceções é que não está totalmente madura”, revela Joana Rodrigues Rato.

 

O que vai na cabeça deles?

Sabe-se que no córtex pré-frontal as ligações entre os neurónios (o número de sinapses) são muito maiores no início da adolescência do que na idade adulta, ou seja, o córtex do cérebro adolescente contém mais matéria cinzenta – a matéria “pensante”, por assim dizer – do que o córtex do cérebro adulto. No entanto, durante esta fase o volume de matéria cinzenta começa a diminuir e embora isso pareça uma coisa má, não o é. Muito pelo contrário.

Esta diminuição da massa cinzenta faz com que certas ligações entre neurónios passem a ser privilegiadas em relação a outras. Como indica Luísa Lopes, “a partir dos 12 anos começa o processo de amadurecimento, ou seja, há ligações fortalecidas nas áreas usadas e outras que desaparecem por não serem utilizadas. É um processo normal que permite a especialização de funções como a linguagem, memória, controlo do movimento, etc.”.

Durante esta etapa de seleção de ligações neuronais, o adolescente começa a focar-se nas suas habilidades e é por essa razão que é “muito mais fácil e eficiente aprender novas linguagens, como a música, a matemática ou línguas estrangeiras nesta fase em que o cérebro é ainda adaptável. À medida que crescemos, a densidade de substância cinzenta vai gradualmente diminuindo acompanhada de maior especialização de circuitos e menor flexibilidade também”, constata a neurocientista.

Numa entrevista ao canal de televisão norte-americano PBS, Jay Giedd, investigador do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH), nos Estados Unidos da América, pioneiro na investigação do cérebro adolescente, afirmou que “se um adolescente está a aprender música ou a fazer desporto ou a estudar, são essas as células e as ligações que vão ficar estabelecidas definitivamente; e se passam o tempo deitados no sofá a jogar jogos de vídeo ou a ver a MTV, serão essas as ligações celulares que irão sobreviver”.

Emoção e busca pelo prazer imediato

O autodomínio, a capacidade de planeamento e de resistir às “tentações” dependem do amadurecimento do córtex frontal, que, como já vimos, no adolescente ainda está em franco desenvolvimento. De acordo com Joana Rodrigues Rato, “na adolescência primeiro desenvolvem-se as áreas responsáveis pela emoção e com o avanço da idade, progressivamente, ocorre o amadurecimento no sentido de desenvolver maior eficiência no controlo cognitivo e funções executivas, com melhores tomadas de decisões e modulação do afeto”.

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