Os dentes das crianças do novo milénio: o que mudou?

Com a evolução e as mudanças de estilo de vida, a dentição das crianças tem vindo a sofrer alterações ao longo do tempo. Conheça os principais desafios que a saúde oral das crianças do novo milénio enfrenta e como lidar com eles.

Desde sempre que os dentes têm representado um incómodo problema para a Humanidade. Hoje, apesar de todos os avanços da ciência, os dentes continuam ainda a ser um dos elementos mais suscetíveis do nosso organismo, até porque têm de se debater com novos problemas decorrentes da evolução do ser humano e do estilo de vida atual.

Nos dias que correm, já não caçamos para sobreviver, não mastigamos os alimentos crus e o tipo de alimentação que fazemos é diferente do que era no século passado – isto para não voltarmos mais atrás no tempo, à época dos nossos antecedentes Australopitecos ou Homo Sapiens. Em suma, os nossos hábitos e estilo de vida mudaram. E essas mudanças refletem-se na dentição de todos nós, particularmente das crianças.

dentes das crianças do novo milénio

Atualmente, devido a um processo de alteração esquelética que o ser humano tem vindo a sofrer, há pessoas que podem apresentar falta de espaço para a erupção de todos os dentes que formam a nossa dentição. Nélio Veiga, médico dentista, explica-nos que por essa razão “a tendência é haver cada vez mais seres humanos com agenesia (ausência) dos dentes do siso” – uma situação que já se verifica nas novas gerações. O mesmo está a acontecer com os “incisivos laterais superiores [que se situam ao lado do canino] e até pré-molares”, acrescenta o especialista, sublinhando que no caso destes dentes a agenesia tem diferentes origens e é muito mais rara comparativamente com a dos dentes do siso.

 

Cárie, o principal inimigo!

As preocupações com a saúde dos dentes das crianças nem sempre foram as mesmas, mas durante muitos anos este foi considerado um aspecto secundário da higiene e, ainda mais, da educação. Para Nélio Veiga, os principais problemas que surgem na dentição das crianças devem-se essencialmente a maus hábitos alimentares – sobretudo ao consumo de alimentos ricos em açúcar –, mas também ao facto de ainda existir alguma despreocupação por parte dos pais com a saúde oral das crianças e, consequentemente, à falta de uma correta higiene oral.

Em Portugal, as cáries são, sem dúvida, o principal inimigo dos dentes dos mais pequenos, que, por sinal, continua a aparecer cada vez mais cedo. Como Nélio Veiga salienta, “há crianças que em idades precoces têm vários dentes de leite (ou dentes decíduos) cariados e até mesmo vários casos de crianças com 6/7 anos de idade que apresentam cáries profundas ao nível dos primeiros molares permanentes”. Tendo em conta que estes são os primeiros dentes definitivos que nascem, precisamente, em média, a partir dos 6 anos, o médico considera a “situação preocupante”.

Contudo, e mesmo sabendo que ainda há muito para fazer ao nível da saúde oral no nosso país, Nélio Veiga reconhece que os pais têm demonstrado uma maior preocupação com os cuidados dentários dos filhos. Como o especialista nos conta, e ao contrário do que acontecia há uns anos atrás, hoje já começa a ser comum levar as crianças ao dentista com o intuito de verificar se há ou não presença de cáries, se existe algum dente de leite prestes a ser substituído pelo respetivo dente permanente ou se a criança necessita de tratamento ortodôntico na sequência do nascimento dos dentes definitivos, e não apenas para tratar algum problema que entretanto surgiu. “Felizmente, começa a haver uma mudança de mentalidade e são cada vez mais os pais que demonstram uma clara preocupação com a saúde oral dos filhos”, constata Nélio Veiga.

E essa mudança é visível nos resultados do III Estudo Nacional de Prevalência das Doenças Orais nas crianças e jovens até aos 18 anos da Direcção-Geral da Saúde e da Ordem dos Médicos Dentistas, que revelou que o número de crianças e jovens com cáries dentárias diminuiu substancialmente, apesar de ainda haver muito trabalho a fazer. De acordo com o estudo, no início deste século apenas 33 por cento das crianças com seis anos estavam livres de cáries, mas em 2013 mais de metade (54 por cento) já se encontrava nesta situação.

No entanto, e apesar desta evolução positiva, o médico dentista sublinha que ainda há muitos casos complicados de crianças com cáries bastante profundas que chegam ao consultório com sintomatologia dolorosa e infecciosa. Se não tratadas, as cáries podem condicionar a perda precoce dos dentes de leite, muitas vezes com consequências ao nível do posicionamento e alinhamento da dentição definitiva. “Para evitar tudo isto, e cada vez mais a comunidade médica e dentária concorda nesta ideia, é necessário primar pela prevenção primária, nomeadamente o estabelecimento de comportamentos de saúde oral adequados”, defende.

 

Estrias, manchas e alterações de cor:

Para além das cáries, existem outras situações que podem afetar os dentes das crianças e, embora muitas possam estar relacionadas com o consumo de alguns alimentos e a deficiente higiene oral (placa bacteriana, tártaro e restos alimentares), há algumas que não estão. Estas alterações da cor dentária tanto podem ter origem estranha ao dente (extrínsecas), como podem ter origem nos tecidos do próprio dente (intrínsecas).

“Uma das principais situações de surgimento de manchas nos dentes permanentes das crianças logo após a erupção são as manchas de fluorose, as quais consistem no aparecimento de manchas branco-opacas que surgem fundamentalmente nos incisivos centrais superiores permanentes”, aponta o médico dentista, explicando que esta alteração pode dever-se à ingestão de flúor durante a infância.

Apesar do flúor constituir uma das principais “armas” de prevenção das cáries dentárias, a sua administração às crianças tem sido alvo de controvérsia. Face à evidência disponível, e de acordo com as recomendações da Direcção-Geral da Saúde, atualmente, só em casos muito específicos de risco elevado de desenvolvimento de cárie é que se administra o flúor sistémico (em forma de gotas ou comprimidos). “A simples aplicação tópica de flúor através da pasta dentífrica ou o bochecho com colutórios fluoretados é suficiente para fornecer aos tecidos dentários a quantidade de flúor necessário e recomendado”, assegura Nélio Veiga.

Em algumas crianças pode também ser visível uma risca castanha escura na base dos dentes, junto às gengivas. Estas riscas – ou estrias, nome designado pelos especialistas – escuras devem-se à presença de bactérias nos dentes da primeira dentição e não estão associadas à falta de higiene oral, pois geralmente dependem da própria microflora oral dos pequenos. No entanto, a solução para o problema não é complicada, bastando uma visita ao médico dentista ou ao higienista oral para realizar uma destartarização e, assim, remover as inestéticas estrias, embora estas tenham tendência a reaparecer até surgir a dentição definitiva.

“Outras manchas mais amareladas ou esbranquiçadas, podem ser simplesmente placa bacteriana e tártaro acumulado, devendo-se, na maioria dos casos, à falta de higiene oral, o que proporciona o acumular da mesma placa bacteriana na superfície dos dentes”, conclui Nélio Veiga.

De pequenino é que se torce o pepino…

As recomendações atuais são de que todas as crianças devem fazer uma visita ao dentista por volta dos três anos, ou seja, quando a dentição temporária está completa. No entanto, se os pais observarem algum incomum, como atrasos significativos na implantação dos dentes, alterações de posicionamento, coloração diferente ou cáries, devem procurar o dentista o mais depressa possível.

A saúde oral passa em primeiro lugar pelos cuidados com a higiene bucal. Ensinar uma criança a escovar os dentes pode e deve ser encarado como uma brincadeira, para que seja desde cedo incutido nela a lavagem frequente dos dentes. Há também que educar os pequenos em termos alimentares, limitando o consumo de produtos ricos em açúcar e evitando que eles se deitem sem antes fazerem a lavagem dos dentes, especialmente se beberam leite ou ingeriram algo antes de ir para a cama.

E porque a nutrição também tem um papel essencial na saúde oral, aposte numa alimentação equilibrada, com hortofrutícolas, laticínios magros e cereais completos, que fornecem nutrientes chave para a saúde dos dentes e gengivas. Tudo para que o seu filho tenha um sorriso bonito e saudável.

 

Conselhos para os pais

Para que o seu filho possa exibir uns dentes fortes e saudáveis, há uma série de comportamentos e recomendações que é preciso transmitir. Conheça os principais cuidados a ter apontados pelo médico dentista Nélio Veiga:

– Efetuar a escovagem dos dentes, gengivas e língua pelo menos 2 vezes ao dia, sendo o ideal realizar a escovagem no fim de todas as refeições;

– Ensinar a criança a utilizar o fio dentário ou o escovilhão interdentário para garantir a higiene entre os dentes;

– Evitar que a criança consuma demasiados alimentos açucarados (bolos, bolachas, gomas…) e refrigerantes açucarados, principalmente entre as refeições;

– Realizar uma consulta ao médico dentista 2 vezes por ano para garantir a realização do diagnóstico precoce de algum problema oral e aplicação de métodos de prevenção primária (destartarização, aplicação de gel de flúor, aplicação de selante de fissuras).

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