Era uma vez…a História de um Menino Único e Especial

Era uma vez um pequeno príncipe, um menino especial que nasceu e cresceu num castelo de sonhos, planos e esperanças idealizado por um casal que apenas desejavam construir uma família e ser pais. Sabiam que surgiriam desafios no longo caminho, que seria educar uma criança, mas a paternidade ainda parecia algo distante, ao alcance das suas mãos apenas conseguiam palmear o seu sonho de serem pais e que tipo de pais gostariam de ser ou teriam receio de ser.

Ainda não havia nascido e este menino já era desejado e amado. Ao ouvir o primeiro batimento daquele pequenino coração os pais pensaram que o ser pais era algo real, surgiu o sentimento de euforia, havia uma vida a crescer. Com o tempo, com uma vida a crescer e com o avançar da gravidez, tornando os sinais evidentes constrói-se uma imagem de quem será este bebé, se será menino ou menina.

Ao sentir-se os primeiros movimentos, os primeiros pontapés na barriga da sua mãe, avisando os seus pais da sua chegada, surgem dúvidas quanto ao estar preparado para cuidar de um outro ser humano, de assumir a responsabilidade de ser pai, ao mesmo tempo que o lado mais afetivo cria expectativas de como será o seu filho e como poderia ser o seu futuro.
Todas as famílias imaginam em algum momento qual será o nome, se terá muito cabelo ou pouco, se será rechonchudo e com bochechas rosadas, reza-se secretamente que dê noites descansadas e que, sobretudo, nasça saudável. Espera-se que seja um menino inteligente, forte, com um futuro melhor do que o dos seus pais, que ultrapassará desafios e superará limites e barreiras, chegará onde os pais não conseguiram ir, pois os pais estarão presentes aos longo do seu crescimento, ajudando a enfrentar as dificuldades que surjam ou a potenciar novas aprendizagens.
No dia em que nasceu os sorrisos foram inúmeros e as felicitações dos amigos e familiares não tardaram a chegar. Ser pai já não era apenas o sonho, mas algo palpável e real, ao sentir pela primeira vez o seu filho nos braços. Os pais tinham o filho que desejavam e que tanto aguardaram, nasceu saudável, sem problemas identificados à nascença e naquele momento em que o viram pela primeira vez, sentiram-se pais, o desafio de educar e ajudá-lo a crescer começava agora. Era um longo caminho por percorrer.
O menino cresceu e com o tempo, surgiram dúvidas e questões, como em qualquer casa os pais colocaram em causa, se estariam a ser bons pais e se determinados comportamentos seriam naturais, se fariam parte do percurso de desenvolvimento.
Os pais começam a suspeitar de que algo no comportamento do seu filho não era igual ao dos outros meninos da sua sala, será algo natural? Será que é natural que o meu filho não se relacione com outras crianças ou adultos, não demonstre interesse em comunicar com o outro, não haja reciprocidade quando nos aproximamos afetivamente ou não utilize a linguagem como seria esperado para a sua idade?
Nessa altura surgem os primeiros sinais de alarme, na suspeita algumas famílias procuram negar a possibilidade de que algo poderá estar diferente ao que seria esperado e evitam questionar o pediatra, negam a situação o máximo que puderem e evitam as questões que necessitam de ser colocadas, porque o receio de saber, de ouvir a palavra de que o meu filho é diferente é difícil.

No entanto, apesar de ser natural e existir um período de tempo em que os pais necessitam de se preparar para a possibilidade de ouvir que algo no comportamento do seu filho não é o esperado para a sua idade, a realidade é que os pais normalmente são os primeiros a suspeitar ou a identificar comportamentos mais “estranhos”, como se sentissem que algo não está bem com o seu filho…

A Palavra que não quis ouvir: autismo…

Não existe uma preparação dos pais para a notícia, as diferenças surgem ao longo do desenvolvimento. A chegada da notícia, da confirmação e da atribuição de um nome ao que se passa com o filho é inesperada e um ponto de viragem na vida dos pais, algumas famílias relembram esse dia como um dia que passou a correr, confuso e desorganizado. O choque e o impacto tornam esse dia quase uma memória dolorosa a ser evitada, que os relembra onde as suas vidas mudaram. Outras famílias descrevem o momento em que a equipa técnica pronunciou a palavra autismo como se o seu castelo se desmoronasse e os seus sonhos e planos para o futuro do seu filho se tornasse inalcançáveis.

Para algumas famílias o diagnóstico, o dar o nome traz o choque e angústia ao serem confrontadas com a diferença e com o desafio de educar um filho com necessidades específicas, para outras a palavra em si é apenas uma confirmação das suas suspeitas, o conforto de saber e o poder dar um nome ao que se passa com ele e avançar para o que poderá ser feito para o ajudar a crescer e a desenvolver-se, a lidar com as suas dificuldades. No entanto, todas as famílias passam por diversos estágios de angústia relacionados com o processo de aceitação, aprendem a lidar com as suas próprias necessidades e emoções ao longo do caminho.
Ao ouvir o diagnóstico, com prognóstico reservado e com diversos cenários em aberto pensa-se como poderá ser o seu futuro em termos de relação e comunicação, comportamento e autonomia.

Nenhuma resposta clínica conseguirá prever o futuro, dará a resposta certa, nem diminuirá os seus receios em relação futuro do seu filho, dirão que quanto mais precoce o diagnóstico e o início do processo de intervenção mais favorável será o prognóstico, as mudanças alcançadas e o grau de autonomia. É uma resposta pouco tranquilizadora e incerta para um pai ansioso. É o momento de viragem, de perceber e compreender que a vida que idealizou e o futuro que planeou terá de ser alterado e adaptado às características do seu filho, será um período cheio de desafios e aprendizagens.

Os pais necessitam de tempo para digerir a notícia, ter um período de luto para chorar o filho que idealizaram, redefinir os seus planos e sonhos que tinham para o seu filho, o confronto entre as suas esperanças e a realidade quanto ao que poderia ter sido e o que terá de ser feito para enfrentar os desafios desde o início é doloroso. Permita-se sentir a tristeza, as lágrimas poderão ser uma forma de lidar com a situação, diferencie o sentir-se triste pela perda do que idealizou como pai e quais os planos que traçou para o seu filho do que é estar deprimido.

Poderão surgir sentimentos de incompreensão, de questionamento e culpabilização, em muitos pais a tristeza poderá dar lugar à raiva. Os pais questionam o motivo de ter de ser o seu filho um menino especial. A raiva é natural, embora ao longo do processo os pais possam ter dificuldade em lidar com a situação e culpabilizar a sua família, o seu companheiro ou o seu próprio filho pela mudança de estilo de vida.

O seu ressentimento face à notícia é esperado ao deparar-se com um período de perda e de stresse, contudo terá de existir o cuidado na forma como é expressa a raiva, nem todas as amizades ou relações entre os casais sobrevivem ao momento de aceitação em que um dos pais procura atenuar o seu sofrimento encontrando um culpado, como se encontrar um culpado mudasse o caminho traçado e trouxesse um maior conforto.
Atualmente sabe-se que não existe uma ligação causal entre as atitudes e ações dos pais e o aparecimento de uma perturbação do espectro do autismo. As crianças com autismo nascem em qualquer país e cultura, independentemente da raça, classe social ou educação parental.
Após a raiva e o desejo de encontrar um culpado, poderá passar por períodos em que, como defesa para lidar com a sua dor e com as mudanças que a situação exige, se recuse a aceitar e acreditar no diagnóstico clínico. Procurará novas respostas às suas perguntas, mesmo que não seja uma reação consciente o negar a situação.

Em muitos casos, os pais julgam-se tão impotentes e sem rumo que partem em busca de uma cura milagrosa, algo que miraculosamente mude o comportamento do seu filho. A desilusão de não existir um comprimido, uma cura, que solucione todos os problemas do filho poderá ser dolorosa e um choque.
É importante não perder o foco no processo de intervenção, de procurar ajuda profissional especializada e ouvir e participar na elaboração do plano de estratégias a serem desenvolvidas e o percurso de aprendizagem. A cooperação entre a equipa técnica e os pais será algo fundamental, a exposição das suas dúvidas, questões e dificuldades em lidar com o seu filho ajudará não só a equipa técnica a reajustar a intervenção às necessidades do seu filho como a ajudá-lo nos períodos em que se sinta impotente face ao futuro.

No entanto, nenhum técnico dirá que será um caminho fácil, que todos os dias a sua motivação e esperança no futuro estará elevada. O sentimento de tristeza e de solidão poderão surgir de forma cíclica, ao longo do desenvolvimento, nem sempre as pessoas que o rodeiam compreenderão o que se passa na sua casa, saberão os desafios diários e da sua força para os ultrapassar diariamente. Nesses momentos, os seus maiores aliados serão os pais que passam por situações semelhantes, que diariamente batalham para que o seu filho tenha um futuro melhor.
Não se isole da sua família e dos seus amigos, poderão não compreender na totalidade os desafios pelos quais passa, mas serão eles que oferecerão o seu apoio nas horas de maior necessidade.

O meu filho tem uma Perturbação do Espetro do Autismo? E agora?

A família e a forma como reagem à notícia e se reorganiza terá um impacto determinante no desenvolvimento da criança, a forma como veem os seus filhos e os desafios do seu dia-a-dia será um dos indicadores de como o seu filho terá apoio nesta longa viagem que será o seu crescimento. O seu filho terá características especiais, que o tornam único e especial como outra criança, crescerá de forma diferente de outras crianças, terá algumas dificuldades no estabelecimento da relação e comunicação com o outro, mas não deixará de ser uma criança cheia de capacidades e de potencialidades.

O primeiro passo é procurar ajuda especializada, que possa ajudar o seu filho a ultrapassar as suas dificuldades e ajudá-lo a lidar com os desafios do quotidiano.

Procure nova informação constantemente, conheça os direitos do seu filho com autismo, esclareça as suas dúvidas e seja criativo na procura de novas formas para não sentir este caminho a percorrer tão solitário, junte-se a grupos de pais que passaram por desafios semelhantes, se identificam com a sua história e onde poderá partilhar a sua experiência, sem ser julgado ou sentir-se incompreendido.
Não se isole, peça ajuda nos momentos em que se sentir mais esgotado, não é perfeito, apesar de aos olhos das outras pessoas possa parecer um Super Pai, não é vergonha ter necessidade de descansar e mostrar que é humano e que necessita de um tempo para recarregar energias. Recorde-se que precisa de cuidar de si enquanto pessoa para conseguir cuidar do seu filho, estar disponível para o ajudar a ultrapassar os desafios. Cuide das suas necessidades, afastar-se do papel de mãe/pai constante. Ajudará melhor o seu filho se tiver tempo para namorar, conversar com os seus amigos ou praticar e realizar atividades que o permitam descontrair e relaxar.

Permita-se acreditar nas suas capacidades, identifique as suas principais qualidades enquanto pais que o poderão ajudar a resolver situações mais difíceis.

Procure traçar planos realistas, não exija excessivamente do seu filho, mas permita-se acreditar nas suas capacidades de aprendizagem e de superar as dificuldades de formas que nunca esperou, acompanhe os progressos através de um diário, construa um álbum para materializar as evoluções e relembrá-lo da capacidade de mudança e de aprendizagem que também fazem parte do percurso de desenvolvimento do seu filho.

O Meu filho é Único e Especial

No desenvolvimento dos seus filhos não existem apenas desafios a serem ultrapassados, o seu menino que todos os dias necessita da sua ajuda a ultrapassar as suas dificuldades, poderá ter talentos especiais ou capacidades mais desenvolvidas do que outras crianças. Provavelmente os pais já terão notado que poderá ter um maior conhecimento acerca de temas do seu interesse, fora do comum, uma competência mais desenvolvida para a aquisição de conteúdos numéricos, símbolos ou letras, capacidade de memorização e uma boa memória a longo prazo, compreensão de conceitos concretos, regras e sequências, ou mesmo desenvolver habilidades musicais ou criativas.

Será uma criança sincera e honesta nas suas respostas, será conhecido pela sua honestidade, assim como pela forma criativa como descobre novas formas de obter o que deseja.

A sua vida torna-se diferente do que um dia imaginou, a vida do seu filho estará repleta de desafios. Os pais deparam-se com o desafio de ajudar os seus filhos a lidar com as dificuldades e ultrapassarem-nas, mas têm também de aprender a lidar com as suas próprias necessidades e emoções para que não seja o autismo o centro da sua vida, mas sim o amor pelo seu filho.

A sensação de aceitação, não significa conformismo, mas colocar-se numa posição de defender o seu filho e procurar ajuda. É diferente aceitar que o seu filho foi diagnosticado com perturbação do espetro do autismo e aceitar o autismo. Não existem curas milagrosas, mas existem formas de atenuar as diferenças desenvolvimentistas e ultrapassar as dificuldades.

Não permita que o significado do diagnóstico o consuma, permita-se amar o seu filho pelo que ele é, pelo seu valor, pelas suas potencialidades e características positivas, pela individualidade e porque não, afinal, por ser único e especial?

Psicóloga Catarina Carreto
Fale Connosco – Saúde Personalizada

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