Alzheimer: cuidar de quem cuida

Segundo a Associação Alzheimer Portugal, a cada 72 segundos surge mais um caso da doença. E, por cada doente de Alzheimer que surge, nasce forçosamente um novo cuidador, por norma o cônjuge ou um filho. A doença de Alzheimer não é uma doença dos doentes é uma doença da família, e os cuidadores precisam também de aprender a cuidar de si próprios.

É grande o impacto emocional quando, de um momento para o outro, tem à sua frente uma pessoa que ama mas que já não o/a conhece, que é tão diferente daquilo que um dia foi, que não se recorda do que lhe disseram há dois minutos e que pode ficar agitada se as suas necessidades não forem satisfeitas. É uma grande mudança de vida, ter de cuidar de um pai, de uma mãe, de um cônjuge, a tempo inteiro, com medo que ele se perca, que faça mal a si próprio, porque já não se sabe cuidar. E o desgaste físico também é imenso, não só porque muitas tarefas – como ajudar o doente a deslocar-se – implicam esforço, mas também porque muitas vezes as noites são mal dormidas.

É por tudo isso que, além do desafio de cuidar do doente, o cuidador não se pode esquecer de cuidar de si próprio, o que muitas vezes acontece. “Há estudos que mostram que a incidência de depressão nos cuidadores é altíssima, muitos deixam de cuidar de si próprios para cuidar do doente: desistem das atividades profissionais, dos hobbies e mesmo de se cuidarem no sentido médico”, explica Sofia Nunes de Oliveira, neurologista.

Ser cuidador de um doente de Alzheimer é uma tarefa esgotante física e emocionalmente. Mariana Fonseca, que cuidou do pai com Alzheimer durante 10 anos, ao mesmo tempo que lidava com uma neoplasia da mãe e a esclerose múltipla da irmã, confessa que um dos grandes receios que tinha era de adoecer. Às vezes tinha medo que alguma coisa lhe acontecesse em função do que isso implicava, não para ela, mas para os outros. Pensava: e se eu adoeço, quem é que olha por eles? Este é um sentimento muito comum entre cuidadores que se pode combater de duas formas: por um lado, não negligenciando o seu bem-estar físico, ou seja, continuando afazer as suas próprias consultas e exames de rotina e indo ao médico sempre que não se sentir bem. Por outro, é importante que mesmo que seja o cuidador principal, tenha o apoio de outros membros da família e os envolva nas rotinas e cuidados ao doente.

De acordo com Sofia Nunes de Oliveira, é absolutamente essencial que o cuidador esteja informado sobre a doença de forma a que tenha noção das dificuldades que implica. Esta informação além de ser importante para a prestação de bons cuidados, é determinante na forma como o cuidador lida com as situações que vão surgindo.

Ou seja, conhecendo as estratégias para tentar resolver, por exemplo, as dificuldades em dormir, em comer, ou os episódios que envolvam alterações de comportamento, vai estar mais tranquilo e mais seguro quando for confrontado com essas dificuldades, evitando assim ser apanhado de surpresa e ficar ansioso sem saber o que fazer.

Apoio psicológico e apoio emocional

Ninguém está preparado para viver com alguém que está a perder as suas faculdades mentais. E a par dessa aprendizagem que tem de ser feita progressivamente, o cuidador deve estar atento ao seu bem-estar psíquico e emocional.

Para isso, além de manter o contacto e falar sobre o assunto com a restante família e amigos, deve considerar a hipótese de frequentar um Grupo de Apoio para Familiares e Amigos de Doentes deAlzheimer. É um sítio onde vai encontrar muitas pessoas que estão a passar pelas mesmas dificuldades, que compreendem as suas dúvidas e sentimentos. E esta oportunidade de trocar impressões, informações, experiências e mesmo emoções com pessoas que estão a viver situações idênticas ajuda muitos cuidadores a sentirem-se mais acompanhados e compreendidos.

Como é perfeitamente natural que se sinta em baixo, sem forças ou deprimido, o cuidador pode procurar a ajuda de um psicólogo ou terapeuta especializado que o ajude a lidar com a sua ansiedade, mal-estar ou emoções contraditórias relativamente à pessoa de quem cuida. Sofia Nunes de Oliveira refere que nas consultas, o médico tenta sempre “estender a mão” ao cuidador: “se achamos que estão deprimidos tentamos ajudá-los, dar-lhes conselhos, encaminhá-los para consultas de psicologia, ou mesmo medicá-los, se assim se justificar”, refere a neurologista.

Para manter o espírito saudável é ainda extremamente importante que o cuidador consiga arranjar alguns momentos para si próprio,sejarecorrendo à ajuda de outro familiar que tome conta do doente ou de um serviço de apoio domiciliário. Sair de casa, encontrar amigos ou dedicar-se a qualquer atividade que lhe dê prazer é uma forma de “desligar” um pouco das rotinas e desafios diários e carregar baterias.

 

Ser flexível e viver sem culpa 

É necessário que o cuidador aprenda a ser flexível e adaptável para fazer este percurso da forma mais positiva possível, até porque apesar de haver estratégias recomendadas para algumas situações mais típicas, cada cuidador também vai encontrando as suas próprias estratégias de adaptação, dependendo da sua personalidade e da do doente. Marina Fonseca, por exemplo, para tornar a convivência com o pai o mais fluida possível, nunca o contrariava tentando encontrar outra estratégia e, compreendendo que não podia mudar a realidade do pai, adaptou-se a ela.

Muitas vezes, além dos desafios que envolvem os cuidados ao doente, a família tem também de ter flexibilidade para se adaptar a situações novas. “Uma coisa que nós vemos muitas vezes são homens cuja mulher tem Alzheimer, que nunca tinham feito nada em casa e, de repente, aos 75 ou 80 anos, têm de aprender a cozinhar ou a passar a ferro”, exemplifica Sofia Nunes de Oliveira.

A neurologista refere ainda que outro sentimento frequente nos cuidadores é a sensação de culpa. “Essa é uma questão que eu tento abordar sempre com os cuidadores, sentem-se sempre culpados pelo que fazem e pelo que não fazem: se ficam com o pai em casa têm receio de não estar a cuidar bem dele e pensam que talvez estivesse melhor num lar, se o colocam num lar pensam ‘que horror o lar é um depósito, não devia ter posto o pai no lar’. Sentem-se sempre culpados façam o que fizerem, e isso também é muito difícil de suportar no dia-a-dia”, remata. A solução – além de envolver toda a família próxima nessa decisão – é depois de tomada a decisão lembrar-se que está a fazer o melhor que pode e que sabe.

O teólogo americano Reinhold Niebuhr escreveu, em 1934, “Deus dá-nos a graça de aceitar com serenidade as coisas que não podem ser alteradas, coragem para alterar as coisas que têm que ser alteradas, e sabedoria para distinguir uma da outra”. E, com ou sem religiosidade subjacente, estas duas ideias são importantes para os cuidadores: por um lado, a aceitação da doença e da sua progressão, por outro, a força anímica para tentar, no dia-a-dia, melhorar o que pode ser melhorado, tanto para o doente, como para si próprio.

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