Desafie a sua capacidade de concentração!

Temos um desafio para si (e acredite que é um desafio gigante!): será que consegue ler este artigo do princípio ao fim e sem interrupções?

São 1500 palavras, para o ler de seguida vai precisar de cerca de 6 minutos de tempo de concentração: parece pouco, mas se aceitar o nosso convite e levar este desafio por diante verá que não é fácil.

Concentração e atenção não são necessariamente sinónimos. Explicando de outra forma, a atenção pode distinguir-se em dois tipos: a espontânea e a ativa ou intencional. A atenção espontânea está muito ligada aos nossos instintos e às respostas automáticas.

É uma tendência natural do nosso cérebro para se direcionar para as solicitações sensoriais, sem ser necessária a intervenção de um propósito consciente, como por exemplo, voltarmo-nos se ouvimos um ruído atrás de nós, ficar a ouvir uma conversa se o tema nos diz alguma coisa ou ficar a observar qualquer coisa para percebermos do que se trata. No fundo, os nossos sentidos colocam o nosso cérebro a prestar atenção a algo.

Já atenção intencional opera da forma oposta: o nosso cérebro, através da sua intencionalidade, coloca os nossos sentidos a prestar atenção àquilo que escolhemos. E a concentração é isso mesmo: a capacidade de manter a atenção focalizada durante um certo período de tempo.

E, hoje em dia, como sabemos, isso pode não ser muito fácil: a nossa vida, vivida mil à hora e caracterizada pelo imediatismo de quase tudo, complica-nos a tarefa de manter o foco num mesmo assunto durante um período razoável de tempo. Como nos explica a psicóloga Catarina Rivero, os estímulos constantes dos media e da internet, que são presença constante na vida de muitos de nós – sempre ligados ao smartphone, ao tablet, ao computador ou à televisão –, criam uma quantidade de estímulos que nos levam a dispersar a atenção entre notificações, mensagens, contactos virtuais ou reais. “O tempo para parar efetivamente é cada vez menor e, de algum modo, desvalorizado”, refere a psicóloga.

Isso é muito evidente para quem trabalha em frente a um computador (e para si que, se aceitou o nosso desafio, está neste momento a tentar fazer isso mesmo). É precisa muita disciplina ou muito interesse para manter o foco no que se está a fazer sem interromper constantemente para ver o e-mail, espreitar o Facebook, responder a uma amiga no chat, ver o último vídeo viral no You Tube, atender uma chamada telefónica, ver que lhe enviou um sms.

A internet está a mudar o nosso cérebro?

O escritor americano Nicholas Carr, autor do livro The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains (finalista para o prémio Pulitzer em 2011), afirma que sim.

Depois de ter escrito, em 2008, o famoso artigo “O Google está a tornar-nos estúpidos?”, resolveu estudar mais a fundo como é que a internet altera a nossa mente. Com base em estudos na área das neurociências e neuropsicologia, sobretudo relacionados com a plasticidade cerebral, Carr alega que as tecnologias que usamos hoje no acesso à informação alteram os nossos circuitos neuronais e que as interrupções e distrações são um obstáculo para uma compreensão e memorização em profundidade.

A leitura na internet, marcada pelo enorme volume de conteúdos de texto, links, fotos, vídeos, músicas, pop ups de publicidade, e com todas as interrupções a ela associadas (notificações, feeds RSS, atualizações) teve como resultado um aumento da nossa capacidade de tomada de decisões rápidas, no entanto, diminuiu a frequência de leitura de livros e artigos longos o que implica perda de capacidades introspetivas. Ganha-se informação, acessibilidade, rapidez e opções, perde-se reflexão, profundidade e concentração.

Aliás, conforme cita no seu livro, um estudo desenvolvido por investigadores alemães, conclui que a maioria das páginas web é vista por dez segundos ou menos, apenas menos do que uma em cada dez web pages é vista por mais de dois minutos. Aliás, a

Clicktale, uma empresa israelita que desenvolve software de análise do comportamento online dos internautas, reuniu dados de 1 milhão de visitantes dos sites dos seus clientes por todo o mundo para chegar a esta conclusão: na maioria dos casos, as pessoas despendem entre 19 e 27 segundos a olhar para uma página. É o tempo de uma leitura “horizontal” passando os olhos pelos títulos, sumários e resumos com o objetivo de apreender informação rápida.

Assim, podemos acrescentar: não é só ler este artigo sem interrupções que é um desafio, lê-lo até ao fim é também, só por si, complicado.

 

Deixe Fluir

Mihaly Csíkszentmihalyi – um dos mentores da Psicologia Positiva – criou um conceito que está em muito relacionado com a nossa capacidade de concentração: o Flow (Fluir ou Fluxo). O Flow caracteriza-se por um estado mental no qual a pessoa está totalmente concentrada no que a fazer. “Este conceito descreve a experiência ótima, aquela em que estamos completamente envolvidos nas tarefas que estamos a realizar”, explica Catarina Rivero.

E esta não será uma realidade desconhecida da maior parte de nós: quantas vezes já se esqueceu de comer por estar empenhado numa atividade? Ou perdeu completamente a noção de tempo e esqueceu-se de todos os problemas? Essas são algumas das características do estado de Flow: entramos como que numa realidade alternativa, de êxtase e fundimo-nos com a tarefa ou atividade que estamos a desempenhar. Desligando de tudo o resto, até de nós próprios!

Tudo isto acontece, explica Csíkszentmihalyi, porque, na realidade, o nosso sistema nervoso é incapaz de processar mais do que 110 bits de informação por segundo (por exemplo, usamos cerca de 60 bits para ouvir e compreender uma pessoa e é por essa razão que não conseguirmos ouvir mais do duas pessoas ao mesmo tempo.) Assim, quando entramos num estado de concentração elevado toda a nossa capacidade de processamento está dirigida para aquela tarefa, razão pela qual não damos conta do que se passa no nosso corpo, não nos lembramos dos nossos problemas domésticos ou profissionais e temos aquela sensação de que o tempo voa.

Das mais de 8 mil entrevistas realizadas por todo o mundo e com todo o tipo de pessoas que gostavam do que faziam, Csíkszentmihalyi e outros investigadores chegaram à conclusão de que há de algumas características que marcam esta experiência: um enorme nível de concentração e foco, uma certa sensação de êxtase, uma grande clareza nas ações que estão a ser desempenhadas e respetivos resultados, a ausência de esforço, a perda da noção de tempo e a perda de noção de si próprio. “Tal pode acontecer quando escrevemos, dançamos, lemos, tocamos um instrumento musical e claro, quando trabalhamos”, explica-nos Catarina Rivero.

Mas como alcançar esta experiência óptima? De acordo com a psicóloga as condições para que esta experiência de Flow aconteça passam por termos um objetivo claro e que nos faça sentido (objetivos que não valorizamos tendem a passar para o saco da procrastinação… num adiar continuado) e sentirmos que temos competências para realizar esse objetivo (nem é demasiado difícil causando dúvidas se o conseguiremos realizar, nem é demasiado fácil, causando aborrecimento).

“Depois dos objetivos definidos, é importante (…) aprender a apreciar a experiência imediata: é necessário focar, apreciar e valorizar o momento presente, com menos pré-ocupações sobre o que deveria ser ou o que os outros vão pensar, mas mais na melhor forma de desenvolvermos a tarefa que temos em mãos, e o prazer do processo”, explica Catarina Rivero.

E claro que tudo isto se treina. “Treinar a nossa concentração pode passar por ler (hoje consigo ler uma página, amanhã esforço-me para ler duas, etc.) ou outra atividade, mas sempre desafiando-nos a ficar um pouco mais nessa atividade sem permitir que os pensamentos ruminantes nos assaltem, nem tão pouco outras distrações externas”, aconselha a psicóloga.

 

Trabalhar a concentração

Aumentar a sua capacidade de concentração pode passar por coisas bastante simples. Veja algumas dicas que a psicóloga Catarina Rivero nos deixou:

– Durma o suficiente todas as noites

– Tenha em atenção a sua alimentação

– Faça exercício físico

– Faça exercícios de relaxamento 10 a 20 minutos por dia

– Faça pausas ao longo do dia

– Experimente um serão por semana sem ecrãs

– Defina objetivos claro para cada parte do dia

– Escreva uma lista dos pendentes

– No final do dia risque o que estiver concluído

– Defina as horas em que não vai estar a trabalhar (e desligue!)

– Defina momentos de lazer

– Sorria para a vida!

Por fim, para si, que conseguiu ler o artigo do princípio ao fim, os nossos sinceros parabéns! Se o conseguiu fazer de seguida, mantendo-se sempre focado e sem ceder a distrações, foi na realidade capaz de um feito excecional, pelo menos em termos do que habitualmente acontece no universo virtual.

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