Mindfulness: aprender a voltar ao presente

Mindfulness o que é e quais os benefícios?

O mindfulness tem as suas raízes na meditação mas os seus benefícios podem sentir-se no quotidiano de qualquer um de nós. É uma questão de atitude: uma forma de procurar olhar o presente. E de treino. Veja o que o mindfulness tem para nos ensinar.

Já lhe aconteceu pegar no carro ao fim de um dia de trabalho, passar semáforos, filas de trânsito, encontrar lugar para estacionar e, no momento em que está a entrar em casa, apercebe-se de que fez tudo isto sem pensar no assunto? Não estranhe nem se assuste.

Não é sintoma de doença nem sequer algo incomum. A mente do ser humano é complexa e na sua complexidade tem uma característica muito própria: gosta de divagar. E isso não é necessariamente algo mau – exceto quando passamos tanto tempo a divagar na nossa mente que nos esquecemos do presente. Mas voltemos um pouco atrás: ao percurso que fez de regresso a casa enquanto pensava em mil e uma coisas diferentes.

Tinha as mãos no volante mas a cabeça estava a pensar no que ainda ia fazer para o jantar. E depois no que ainda tinha de organizar em casa para o dia seguinte. E ainda na discussão que tinha tido uns dias antes. O passado e o futuro passaram-lhe pela cabeça e quando olhou para o relógio viu que afinal tinham passado só alguns minutos.

A sua cabeça andou a vaguear e, nesse processo, acabou por não se aperceber (nem viver) o “aqui e o agora”. Se a sua mente vagueou por “ruas” mais escuras, se calhar chegou mesmo a sentir apreensão, desconforto, preocupação. E tudo por coisas que não chegaram a acontecer e que podem nem sequer vir a acontecer.

Nuno Mendes Duarte, psicólogo, explica-nos que por vezes “deixamo-nos levar pelos pensamentos, sem termos consciência de que nos estamos a deixar levar”. Funcionamos, como qualquer outra pessoa, mas somos capazes de estar tão submergidos nas nossas ideias que não nos apercebemos da distância a que estamos do presente. Estamos em “piloto automático”, como nos diz o psicólogo. E a metáfora é certeira: fazemos a viagem entre o ponto A e o ponto B, mas nem parámos para tomar consciência de tudo o que existia entre os dois pontos.

Explicado assim, o cenário não parece ser merecedor de grande atenção. Mas este piloto automático pode ser uma autêntica “corrente de pensamento, que leva o humor atrás”. É o que acontece, por exemplo, com “processos depressivos, em que entramos em espirais automáticas, sem nos apercebermos que este piloto automático condiciona” a nossa vida, explica-nos o psicólogo. “O corpo vive tudo isto como se fosse realidade. Está-se a viver o dia de amanhã, que ainda não existe”, resume. Mas como podemos, então, voltar ao “aqui e agora” de que falávamos? É possível que a resposta já esteja connosco, na nossa mente.

 

Viver o agora, uma questão de treino!

O mindfulness é uma prática ancestral que tem as suas raízes na meditação. Embora a sua origem também esteja ligada à espiritualidade, a verdade é que tem ganho novos adeptos a Ocidente, sendo cada vez mais alvo de interesse por parte da comunidade científica.

O que não acontece por acaso. É que o mindfulness, ao contrário do que os mais temerosos possam pensar, não obriga ninguém a mudar de religião. Há técnicas específicas. E estas podem ter resultados independentemente da crença religiosa da pessoa (e sim, ateus e agnósticos incluídos).

Para o psicólogo Nuno Mendes Duarte, o mindfulness é mesmo um conjunto de atitudes. É uma questão de foco e de treino desse mesmo foco. Para se perceber isto é preciso reconhecer o quanto nos pode limitar o tal piloto automático, e que é possível contrariá-lo. “Quando eu tomo consciência do processo interno, eu posso escolher o que fazer em função disso”. Parece simples, não é? Mas na verdade é um “bocadinho” mais complicado do que isso.

A maioria das pessoas acha a meditação difícil porque o cérebro é habitualmente distraído, saltando de um pensamento para o seguinte. Têm razão. É até natural que sinta algum desconforto – afinal de contas, num mundo tão acelerado quanto o nosso, em que tantas vezes precisamos de ser mais rápidos, mais eficazes, mais produtivos, mais, mais, mais, parar para respirar fundo e tentar gerir uma mente habitualmente agitada parece ainda mais difícil.

Mas a base da meditação não passa por encontrar alguma espécie de vazio mental. Sim, procura-se algum silêncio, mas o que está em causa nestes níveis de concentração (e um monge budista comum, para percebermos a dimensão, já terá feito milhares de horas de meditação) é um treino intenso, para domar, passe o termo, a nossa sempre irrequieta mente. E, em termos práticos, não há nada de místico nas técnicas de meditação.

Da meditação ao quotidiano

Na base mais simples do mindfulness, qualquer um de nós pode experimentar um exercício: basta numa atividade simples, como por exemplo lanchar, lutar contra a distração. Concentre-se no sabor, na textura do alimento. Já está a pensar noutros assuntos? Respire fundo e volte atrás. Como Nuno Mendes Duarte nos explica, o que se faz é “treinar o regresso a um foco que eu escolho”. Mas atenção, isto é só o exemplo de um nível muito informal, de iniciação. Para verdadeiramente se sentir os benefícios que têm intrigado a ciência, é preciso passar ao nível seguinte, o da prática formal. E não pense que só pode lá chegar com anos de treino num mosteiro qualquer perdido nas montanhas.

Oito semanas, com o devido acompanhamento, farão a diferença.
Foi o que aconteceu com Fiona Assersohn, uma britânica diagnosticada com Lúpus, que participou numa reportagem a cargo da BBC. Fiona foi acompanhada durante as suas oito semanas de treino em meditação mindfulness. No final, explicou à BBC que “a dor não desaparece, mas torna-se mais fácil de gerir”.

E a comparação entre duas ressonâncias magnéticas feitas após o treino intensivo em mindfulness mostrava essas diferenças. Fiona, dizia-nos a ressonância, parecia capaz de gerir melhor a dor.

O impacto das intervenções baseadas em mindfulness tem sido estudado em diferentes situações e com resultados positivos. Uma experiência recente feita nos Estados Unidos, com a duração de três meses, envolvendo estudantes que iriam ter os seus exames finais nesse ano letivo, chegou à conclusão de que os alunos que tinham sido treinados em mindfulness lidavam melhor com o stress e ansiedade, típicos da época de exames.

À procura do bem-estar

Matthieu Ricard é um francês a quem já foi atribuído o epíteto de “homem mais feliz do mundo”. Formado em genética molecular, Ricard tinha 25 anos quando se mudou para o Tibete. Hoje em dia é um monge budista e uma pessoa próxima do próprio Dalai Lama. No seu livro “A Arte da Meditação”, Ricard diz-nos que “oito semanas de meditação (de tipo Mind Based Stress Reduction), à razão de 30 minutos por dia, acompanham-se de um reforço notável do sistema imunitário, de emoções positivas e de faculdades de atenção, bem como de uma diminuição da tensão arterial nos indivíduos com hipertensão arterial, e de uma aceleração da cura da psoríase”.

Parece demasiada aplicação prática para uma coisa aparentemente tão esotérica como a meditação. Mas a verdade é que o nosso corpo também é sensível aos nossos humores. O que quer dizer que se tivermos consciência do que nos está a acontecer, ou seja, que a nossa mente ficou “presa” a algo que nos condiciona, é possível contrariar esse processo.

A atenção – o estar atento – é uma capacidade que nos orienta ao longo do dia e da vida. O “segredo” do mindfulness (se é que lhe podemos chamar segredo) está na forma como nos pode ajudar a trabalhar estas capacidades. É natural que, aos mais céticos, possa soar estranho pensarmos que é possível trabalhar capacidades como a atenção como se de um músculo se tratasse. Mas de certa maneira é disso que se trata. E aqui o importante não será tanto a que é que prestamos atenção, mas o facto de o fazermos. “É um trabalho de pacificação, de tranquilidade”, como nos explica Nuno Mendes Duarte. Um que podemos aplicar no dia-a-dia, nas mais diversas situações.

O mindfulness não vai transformar uma conta que esteja a zeros na conta do Bill Gates, nem vai tornar um dia chuvoso num dia de sol, nem vai fazer com que aquele vizinho barulhento saiba que já são horas de fazer menos barulho. Mas pode ajudar-nos na forma como lidamos com todas estas coisas, permitindo-nos não só um menor desgaste, mas também centrar a nossa atenção noutras coisas importantes, que estavam toldadas por tantas preocupações.

O objetivo não passa por mudar as situações em si, mas por tomar consciência dos processos mentais que delas decorrem, para melhor as podermos gerir. É uma questão de treino. Porque, como nos diz Nuno Mendes Duarte, “sabemos que a dor é inevitável, o sofrimento não”.

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