Saber Viver

As crenças que uma pessoa desenvolve sobre si mesma podem mudar.

É só começar a abrir-se para a experiência. Aliás, estamos sempre a mudar, para melhor ou para pior. Então, não é uma questão de não poder, mas de querer e pagar o preço pelo compromisso com a melhoria. É caindo e levantando-nos que chegamos ao crescimento.

A partir do momento em que começa a viver, a pessoa é bombardeada por uma estimulação contínua. Ela vem do seu interior e do mundo exterior. Aí começam as formações dos esquemas. Os esquemas nada mais são do que conceitos que a pessoa aprende. São moldes mentais nos quais as suas experiências vão sendo colocadas. Para isso, a pessoa conta com o seu poder de sentir, de pensar, de gravar na memória e de agir.
Na medida em que as informações recebidas vão sendo acumuladas, vamos criando uma compreensão do mundo e de nós mesmos.

São os nossos esquemas mentais. Quando se chega à fase adulta da vida, uma quantidade inumerável de esquemas já foi acumulada, que vão desde como segurar uma colher até ao conceito de eternidade. São esquemas sobre o que nos cerca e sobre nós mesmos, para guiar-nos através da complexidade de viver no mundo conforme o percebemos e compreendemos.

Entretanto, os esquemas mentais começam a ser formados muito cedo na vida. Se o ambiente em que a pessoa cresceu foi acolhedor e aconchegante, e preencheu satisfatoriamente as suas necessidades, então as suas experiências foram satisfatórias. Por outro lado, se o ambiente foi de rejeição, de abandono, abuso e privação, as suas experiências foram frustrantes.

A pessoa veio ao mundo equipada com um potencial capaz de aprender com a experiência e de mudar com as consequências. É das relações com os seus cuidadores que a pessoa criou o cerne, o núcleo de facilidade ou dificuldade para enfrentar a vida. Se as relações foram positivas, o núcleo é positivo; se foram negativas, o núcleo é negativo. Aí se inicia a formação dos esquemas.

O esquema é, então, a interpretação positiva ou negativa que a pessoa faz de si e do mundo. E se é interpretação, pode estar certa ou errada. Às vezes, a pessoa tem a certeza absoluta de estar certa, mas descobre mais tarde que estava errada. Quanto mais rígida é a interpretação, mais difícil é adaptar-se ao quotidiano. A inflexibilidade pode ser traiçoeira e causar muito mal à própria pessoa e aos outros

Perceção da realidade

O problema dos esquemas formados de si mesmo é que eles afetam não só o que a pessoa é no presente, mas também o que se tornará no futuro. Eles darão sentido a tudo o que é importante para a pessoa. São muitos os aspetos envolvidos, mas todos apontam para a noção dos papéis que ela ocupa ou poderá ocupar no meio social em que vive: homem ou mulher, estudante, cônjuge, profissional, médico, professor, cidadão.

Os esquemas de si mesmo estão apoiados na perceção da realidade e na armazenagem das informações. Supõe-se que a perceção seja mais importante do que o facto em si. Sabe-se que é seletiva. A crença ou expectativa de uma pessoa podem exercer poderosa influência no que ela percebe ou vê, no que ela descarta ou nota.

Além disso, a perceção pode ser alterada pela intensidade do estímulo, pelo grau de interesse pessoal no evento e até pela ordem como a informação é recebida. Mesmo assim, é pela perceção que captamos as informações e vivenciamos as experiências. A perceção é peculiar a cada pessoa. Não há duas perceções iguais. Cada um percebe o que é importante para si. Apesar da fragilidade da perceção, é dela que dependemos para captar as informações necessárias à compreensão da vida.

A memória
Uma vez percebida a informação, a experiência é codificada e gravada na memória em um ou mais esquemas. Tudo o que chamou a nossa atenção estará gravado na nossa memória em forma de esquemas. Não importa a insignificância ou pequenez do evento.

Se a pessoa focou a sua atenção nele, ele estará inserido num ou mais esquemas do seu eu. Portanto, não faz diferença a insignificância do evento, o mínimo detalhe da situação ou a pequenez do facto. Se a pessoa prestou atenção e gravou, o registo já faz parte do seu esquema mental e exercerá o seu efeito conforme a situação exigir. É preciso valorizar as coisas pequenas que chamam a nossa atenção.

Alguns pensamentos sobre a memória também devem ser considerados: Se as pessoas percebem de forma diferente, também gravam de formas diferentes. Gravam conforme o significado do percebido para si mesmas. Daí um mesmo facto ser lembrado e descrito de formas diversas por diferentes pessoas. Os detalhes mais usados, lembrados, pensados, evocados, estarão mais evidentes no esquema criado pela pessoa. Logo, estará mais presente na sua mente.

Já os menos solicitados, menos usados, vão sendo apagados, esquecidos e desaparecem da mente consciente. O tempo também contribui para ir alterando, distorcendo e mudando as informações na memória. As alterações feitas acabam por ser motivadas pelo desejo pessoal de melhorar o ego, de se colocar sob um prisma melhor, de ficar bem. Mesmo que, a longo prazo, a alteração feita não seja realmente para o melhor.

Princípios de aprendizagem
A aquisição dos esquemas foi descrita por Piaget quando estudava o processo de formação de conceitos na criança. Ele apresentou dois princípios explicativos muito importantes que poderão ajudar-nos a compreendermos e a mudarmos os nossos esquemas de nós mesmos. Os processos são a assimilação e a acomodação. Pela assimilação, os novos estímulos, as novas experiências, as novas informações são incorporados às experiências já existentes.

O processo de assimilação é um princípio de aprendizagem poderoso e contribui para manter a compreensão da realidade existente. É um processo de incorporação da informação à moldura mental sem mudar o molde, sem mudar a estrutura mental, sem mudar a crença. A realidade é interpretada dentro das crenças já existentes.
Infelizmente, muitas vezes, a vida não se conforma com as nossas expectativas, crenças ou pontos de vista.

Muito pelo contrário, há uma discrepância, um antagonismo, uma oposição. Sendo assim, temos que modificar a nossa maneira de pensar, alterar as nossas expectativas e reformular os nossos pontos de vista. Aí começa o processo de acomodação pelo qual temos de alterar os nossos esquemas ou desenvolver esquemas novos para nos adaptarmos à situação. Há uma mudança radical no molde mental, na estrutura, no esquema. A nossa crença é mudada para se ajustar à realidade. Em vez de mudar o ambiente, nós é que mudamos.

Acontece que as mudanças de estruturas mentais de um paradigma para outro não fluem com facilidade. Há resistência e desafios que provocam verdadeira desorientação. A pessoa pode até entrar em crise, como é o caso simples de uma senhora que precisou de se desfazer de coisas que tinha acumulado a vida inteira. Mas chegou o momento da fase do ninho vazio, do problema de ter empregadas e de a casa ser grande de mais.

Veio então a necessidade de se desfazer das coisas. As suas palavras são: “É muito doloroso, o senhor não compreende. É muita dor. Estou a dar um pedaço de mim.” Após algumas reflexões, ela continuou: “Mas não tenho alternativa…, se não fizer agora o que é preciso vai ser pior depois.” Esse é o drama de quem precisa de mudar para melhorar. A dor de alguém que precisa de amadurecer. O esquema que desenvolveu foi só de acumular e agora tem que mudar. Em vez de continuar a acumular, agora precisa de aprender também a distribuir, a reduzir, a esgotar.

saber viver

Para mudar
Não importa o esquema desenvolvido, o importante é saber que estamos permanentemente num processo de assimilação e de acomodação. A acomodação faz-se presente sempre que somos desafiados, provocados pelas experiências da vida. Somos forçados pelas circunstâncias a rever o que é importante e significativo. Ter de se acomodar a eventos desagradáveis, às vezes incompreensíveis, é, além de difícil, doloroso. Entretanto, é necessário para o nosso desenvolvimento no processo de acomodação.

Examinamos as novas possibilidades e as novas metas, consideramos as que serão perdidas, avaliamos as energias a ser gastas na mudança e pensamos nos benefícios que se seguirão. Apesar da dor do processo, quando passa por ele com sucesso, a pessoa sente-se vitoriosa. Há um bem-estar interior pela vitória alcançada. A compreensão de si mesma sobe para um patamar mais elevado. A pessoa sente-se fortalecida para novos ajustamentos. Sente-se quase um novo ser.

Para mudar os seus esquemas, a pessoa precisa de os conhecer. Para saber, a pessoa precisa de os aceitar, independentemente de os aprovar ou desaprovar. Ter um esquema de si mesma, um conceito de si mesma, e não o aceitar, não o elimina. Ele continua a influenciar a sua vida, a governar o seu futuro. A partir do momento em que o aceita, a pessoa está a abrir-se, a flexibilizar-se para assimilar o que é compatível com as suas crenças. Ao mesmo tempo, está a favorecer a condição básica para a acomodação, isto é, a mudar um pouco o seu ponto de vista, a sua perspetiva, para se ajustar à realidade.

Aceitar o que se negou a vida inteira não é fácil nem agradável. Afinal, não há mudança sem dor. Mas também não há prazer sem a realização do dever cumprido. É uma decisão difícil, mas esperançosa. O importante é saber que podemos melhorar, aperfeiçoar-nos, crescer sempre.
Que a nossa meta esteja voltada para o crescimento e a esperança estará sempre acesa no nosso coração! Transformemos a esperança em resultados práticos na nossa vida, aceitando a realidade presente e transformando-a numa realidade futura mais rica.

Texto de: Belisário Marques
Doutor em Psicologia

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